Para muitos, a palavra "desistir" pode parecer sinônimo de fraqueza, mas para mim significa desafio. Desistir nunca foi uma opção para mim, crescendo obstinado com tudo que me propunha a fazer; não desistir de algo que estava me fazendo mal, de fato, era um desafio. E assim foi com o application.
Minha História
Meu nome é João Medeiros, nasci em Taubaté, mas cresci mudando de estados, do norte ao sul, do nordeste ao sudeste até que, aos oito anos de idade, retornei a minha cidade natal. Minha família – de pais nordestinos, agricultores de origem simples, sem nem o Ensino Médio completo – sempre tentou me dar o máximo do que estava ao seu alcance: mesmo o pouco sempre me pareceu muito. Aos dez anos, decidi que queria fazer curso de inglês por conta própria e, como era de se esperar, meu núcleo familiar não possuía as devidas condições financeiras para pagar tal regalia. E ali, mesmo com pouca idade, eu percebi que o apoio incondicional da minha família eu teria, mas, se eu quisesse alçar voos maiores, eu teria que fazer por conta própria. Comecei então a vender trufas na porta de minha escola. Minha mãe voltava do trabalho às 20h e me ajudava então a fazer as trufas encomendadas para que no dia seguinte eu as levasse à escola. Fazendo isso, consegui pagar durante cinco anos um dos melhores cursinhos de inglês da cidade, além de claro, ter conseguido comprar pequenas coisas, mas que para mim pareciam gigantes, como o meu primeiro celular e o primeiro microondas da minha família.
Ainda criança, aos doze anos, tive que mudar de bairro e consequentemente de escola. O bairro era amigável, possuía vizinhos interessantes e, apesar do forte fluxo de tráfico de drogas preexistentes, eu estava começando a gostar do local. Mas a escola... ah a escola... essa era totalmente à parte.
A falta de materiais era agonizante, agressões – verbais e não verbais – eram diárias a professores e alunos, e até o tráfico presente na rua se materializava dentro das salas de aula. Vendo toda aquela turbulência, me inspirei então em uma amiga, Isadora Faber, jovem catarinense que havia criado uma página no Facebook para expor os problemas estruturais de sua escola. Decidi então criar o meu próprio Diário de Classe. Nele, eu expus virtualmente toda a má administração e estrutura de meu colégio – da presença de ratos no banheiro à falta de materiais básicos como lousas e cadeiras. A página em pouco tempo alcançou mais de 50 mil curtidas, e, em um curto período, grandes jornais como o Fantástico e o Estadão começaram a entrar em contato comigo. Fiz todas as entrevistas propostas, e do dia para noite a escola estava mudada. Banheiros novos, ventiladores em todas as salas, tudo em perfeito estado – pois é, uma criança de doze anos conseguiu mudar sua escola inteira com uma página no Facebook. Porém, ao mesmo tempo que a melhoria veio para todos, as ameaças foram direcionadas a mim. Sim, fui ameaçado, pois a exposição na mídia não expõe apenas as mazelas das estruturas físicas do colégio, mas também da má administração e até mesmo do tráfico que agia ali. Por causa das ameaças diárias, tive que mudar novamente de escola.
Minha jornada continuou em outra escola da rede pública. Lá, conheci a iniciativa da empresa aeronáutica Embraer, um colégio equipado no mais alto nível, um dos melhores do Brasil. E então propus a mim o desafio: não importa de onde vim, ou o meu passado, eu vou passar nesse colégio. Foram dois anos de intenso estudo, até que, no nono ano, ano da prova, consegui passar no colégio.
O colégio era integral e em outra cidade. Eu acordava às 5h, pegava o ônibus fornecido pelo próprio colégio e chegava em casa às 19h. Tínhamos dez aulas por dia e podíamos escolher uma concentração chamada de preparatório pré-universitário, nas áreas de biológicas, humanas ou exatas. Além das aulas curriculares comuns, eu tinha aulas de Estado e Ética, Comunicação, Teatro, Simulações da ONU, entre outras.
O ambiente era diferente, e isso me abriu diversas portas. Lá, ainda no primeiro ano, vendo um colega passar na UCLA (University of California: Los Angeles), descobri que era possível estudar fora e, ansioso como era, não esperei até o terceiro para aplicar. Descobri sobre boarding schools e então apliquei para diversas com deadlines abertas. Acabei passando em uma em Toronto. Apesar de ter ganhado bolsa completa, ainda havia o empecilho das passagens, uniforme, seguro saúde, entre outras, todas essas totalizavam mais de R$13,000,00. Decidi criar uma vaquinha, que também não deu muito certo. Recorri então ao meu recurso mais precioso: a cara de pau. Bati de porta em porta, fiz rifas e recorri ao networking. Até que, no final, consegui juntar todo o dinheiro e ainda um patrocínio para os próximos anos.
Aos 16, embarquei para o Canadá. Lá vivi por dois anos. Foi uma experiência totalmente mágica. Aprendi a me virar, a lavar roupas, cozinhar, fazer compras e até mesmo a guardar a saudade na mala quando ela apertava no peito. Tive aulas de economia, comércio exterior, filosofia e história mundial. Estava com foco total no application, estudava dia e noite para o SAT, afinal toda a minha jornada havia sido traçada com este objetivo: ser aprovado em uma universidade nos EUA.
Meu(s) Application(s)
Quando o ano de application chegou, eu estava na minha terceira tentativa de SAT, porém não importava o quanto estudasse, as notas continuavam as mesmas. Fiz o total de quatro exames, e as notas continuavam as mesmas. Tive crises de ansiedade, noites mal dormidas e uma série de complicações, mas não importavam as tentativas, as notas continuavam as mesmas.
Então dei o meu máximo nas essays, interviews e apliquei com as notas que estavam ao meu alcance. Retornei ao Brasil, e os resultados saíram: rejected em 10, waitlisted em 2. Ali o meu mundo caiu. Tudo o que eu havia feito até o momento em prol daquele sonho, de nada havia adiantado? Todo o meu esforço no lixo? Eu me cobrava aos montes e sabia que as expectativas do pessoal da mentoria da qual eu era parte, da minha família e amigos também eram altas, mesmo que não expressassem.
Decidi então que aquilo não era para mim. Não havia como ser: eu já tinha feito tudo ao meu alcance, provas, testes, essays incríveis e, mesmo assim, não consegui passar em nenhuma universidade.
Naquele mesmo ano ingressei com bolsa completa em um cursinho pré-medicina. Estudava mais de doze horas por dia. Até que, em outubro, o mês que antecede a deadline de early decision, chegou. Eu, já decidido que não iria mais aplicar, senti um chamado. Já possuía os testes, as cartas e ideias para essays, porque não gastar apenas dois dias colocando as ideias no papel e aplicar? Foi isso que fiz, em meio a correria dos estudos do cursinho, escrevi as essays durante os intervalos das aulas e apliquei Early Decision para Columbia University. Novembro passou voando, dezembro chegou e mais uma vez: REJECTED. Dessa vez fiquei em paz: sabia que estava tentando no escuro e estava seguro com a minha decisão de ficar no país.
No meio de dezembro, de férias do cursinho, decidi fazer as supplemental essays de uma universidade que a tempos chamava minha atenção, mas que eu nunca havia dado a chance: Tufts University, em Boston, uma das 30 melhores universidades dos EUA. Fiz as essays de todo o meu coração. Tufts parecia o lugar certo para estar: uma universidade colaborativa, mas ainda assim intelectualmente desafiadora, diversa, com uma comunidade carinhosa, um lugar onde eu não só entraria em contato com excelência acadêmica, como também com um ambiente que me faria crescer pessoalmente. Mandei então o application em Early Decision II, no dia 05 de Janeiro de 2020, faltando poucos minutos para a deadline. Esperei janeiro sem muitas expectativas, afinal já havia sido rejeitado tantas vezes.
Fevereiro, o mês do resultado, chegou, e então, com todo o nervosismo do mundo acumulado sobre minhas costas, abri o portal e vi a decisão. Não consegui olhar, então pedi que minha irmã abrisse o link em que a decisão estava guardada: “JOÃO, TÁ ESCRITO CONGRATULATIONS, IRMÃO”. Imediatamente corri ao meu quarto e me deparei com o SIM. Finalmente, ele havia chegado, depois de 11 nãos, 2 mais ou menos, o meu sim estava ali. Eu havia passado na Tufts University com bolsa completa!
Desde então, fui selecionado para ser um dos seis bolsistas da BRASA (Brazilian Student Association). Hoje, em gap year por conta da pandemia, me encontro trabalhando na Stone, uma das maiores fintechs do Brasil, em um cargo que normalmente requer graduação.
Se eu tivesse desistido em 2019, nos meus primeiros nãos, eu não estaria aqui hoje, mas provavelmente em uma faculdade que nada tinha a ver com o que quero fazer pro meu futuro, apenas para satisfazer o meu ego de ser bem sucedido. Se você também pensa em desistir, tudo bem, faz parte e é totalmente compreensível! Mas avalie melhor, veja o que está ao seu alcance e o que pode ou não fazer. O que você tem a perder? O que você pode ganhar? Desistir, novamente, também é uma opção, mas não se prive a ela, pois continuar pode ser muito mais engrandecedor.