Assalamu alaikum (que Deus lhe conceda proteção e segurança), mentee!
Meu nome é Klethon Gomes, tenho 20 anos, sou de Aracaju, capital de Sergipe, e já aviso que é melhor colocar os cintos, pois irei contar uma história que te fará cruzar o oceano atlântico.
O início de tudo
Sempre estudei em escola pública e nunca esqueço da minha emoção, quando no 9º ano do ensino fundamental, a escola pública estadual na qual eu estudava desde o 6º ano, inaugurou sua biblioteca. Lembro do cheiro dos livros que chegaram e de como daquele dia em diante eu passava todo intervalo lendo com meus amigos. Foi naquele momento, também, que eu percebi o quanto aquilo era importante para mim e o quanto eu queria mais oportunidades como aquela.
Incentivado por uma professora do reforço que eu fazia depois da escola, eu decidi que meu sonho seria estudar no Instituto Federal de Sergipe (IFS). Eu me preparei o ano inteiro e, apesar de sempre ir muito bem na escola, fiquei na lista de excedência logo que o resultado saiu. Meu nome estava na nona posição de sete vagas e foi por tão pouco, que lembro de nunca ter chorado tanto quanto naquele dia. Um misto de tristeza e decepção comigo mesmo que logo se transformaram em alegria quando felizmente eu fui selecionado da lista de espera.
Quando minhas aulas começaram, tudo foi muito diferente do que eu imaginava, mas tão incrível e desafiador quanto possível. Ter aulas o dia todo, ser testado em muitos tópicos de matemática e inglês que eu nunca tinha estudado antes e ter que trabalhar para custear as minhas despesas de alimentação e transporte me fez mergulhar naquele ambiente de uma forma muito gratificante. Ter acesso a laboratórios, ótimos computadores, internet e uma biblioteca muito maior e mais equipada me fez perceber que eu estava no lugar certo. Ao mesmo tempo, trabalhando no IFS, percebi que tinha sonhos antigos que poderia tentar realizar, como aprender inglês. Então, juntando parte do dinheiro que recebia oferecendo suporte aos laboratórios de informática e através de uma bolsa parcial em uma escola de idiomas por meio do Educa Mais Brasil, comecei ao final do meu primeiro ano a aprender inglês. Na época, meu maior sonho era simplesmente ser capaz de ler livros em inglês. Estudar fora era algo que nem mesmo passava pela minha cabeça...
Como nasceu o sonho de estudar fora
Contudo, ser apresentado ao Programa Jovens Embaixadores se tornou um ponto decisivo na minha trajetória. Se selecionado, esse programa me levaria com tudo pago aos Estados Unidos para aprender sobre iniciativas sociais com jovens de todo o país. Eu me preparei mais uma vez para um novo sonho. Mas, fui desclassificado e aprendi que, às vezes, mesmo não alcançando o resultado esperado, meu esforço e dedicação não foram em vão. Ser desclassificado no Programa Jovens Embaixadores foi o grande primeiro “não” definitivo que eu recebi até aquele momento e apesar da tristeza, não ter passado me fez perceber o quanto eu ainda precisava estudar e continuar me esforçando, e isso me abriu portas para coisas ainda maiores: estudar fora.
Ter sido desclassificado na primeira vez me preparou para receber minha rejeição na segunda vez que tentei e, ao invés de uma tristeza profunda, eu decidi que aquele resultado não iria me definir. Conclui o Ensino Médio e decidi que que estudaria aqui durante a graduação, mas que procuraria por oportunidades Brasil afora durante e após me formar. No entanto, após prestar o ENEM, eu li a notícia de que uma universidade americana inovadora estava com inscrições abertas para pessoas do mundo todo e com ótimas bolsas de estudo. A universidade em questão era a Minerva Schools at KGI. As inscrições e provas eram todas online e não envolviam viagens nem pagamento de taxas; isto é, as grandes barreiras que me impediam de aplicar.
Meu processo de application
Sem ter experiência alguma de como fazer o application, o iniciei e a resposta foi mais uma rejeição. Mais uma vez, uma rejeição me impulsionou ao invés de me parar: logo após ser aceito na federal do meu estado, conversei com minha mãe para que ela me deixasse tirar um gap year pois o processo seletivo de Minerva me mostrou o quanto eu queria ter uma experiência educacional diferente da que teria aqui no Brasil e me desafiou a continuar sonhando alto. Assim, apesar de minha mãe não me apoiar no início, decidi que no ano de 2018 eu me dedicaria completamente ao temido processo de application. Nunca um ano foi tão incrível e tão desafiador, até então, quanto o ano de 2018. Fiz amizades com pessoas incríveis do Brasil todo e fui posto à prova como nunca antes: fui rejeitado diversas vezes em diversos summer camps, chorei muito. Permaneci firme e, finalmente, depois de tantos resultados negativos, colhi meus primeiros “Sim”: fui aprovado com bolsa para participar do Brazilian Leadership Bootcamp, realizado pela Latin American Leadership Academy e fui aprovado em alguns programas de mentoria, dentre eles o BRASA Pré, que me ajudou com todo o processo de application daquele ano.
Depois de muito esforço e dedicação, noites de sono perdidas me preparando para os testes como SAT, ACT, SAT Subjects, TOEFL e ENEM (sim, de novo) e falta de dinheiro para viajar para fazer tantas provas, consegui aplicar para 20 universidades. Fui rejeitado em 19 e waitlisted em 1. E agora? Seguiria a minha vida aqui ou tentaria seguir meu sonho de estudar fora? Estava prestes a completar 20 anos e as cobranças da vida adulta estavam batendo na minha porta. Ouvi e li diversas vezes sobre as chances mínimas de ser aprovado com 2 anos de gap year. E, apesar de tudo que se dizia contra a mim, tomei a decisão de tentar de novo com a certeza de que poderia melhorar minha application e com a ilusão de que seria mais simples por eu ter experiência — um completo engano!
Meu segundo ano de Gap Year
O ano de 2019, assim como para muitos, foi um dos anos mais difíceis da minha vida. Apesar de trabalhar como jovem aprendiz para pagar as provas, passar noites acordado analisando applications de amigos e lendo livros para melhorar meu inglês, eu constantemente pensava em desistir pois estava no meu limite. Enquanto eu estava reconstruindo a minha application, passei a pensar sobre qual experiência eu queria, de forma mais intensa e crítica, como nunca antes. Listei mentalmente minhas necessidades, meus anseios enquanto estudante, meus planos de vida e passei a procurar por oportunidades de uma forma menos centralizada nos EUA, mas com a mesma perspectiva de liberdade acadêmica que eu tanto sonhava. Por isso, digo que refletir sobre a minha primeira application foi o grande divisor de águas na minha trajetória.
NYU Abu Dhabi
Foi assim que, depois de procurar por universidades que ofereciam diplomas americanos fora dos EUA, eu me deparei com NYU Abu Dhabi (NYUAD). Localizada nos Emirados Árabes Unidos. NYU Abu Dhabi é um dos três campi principais da New York University, sendo os outros dois localizados em New York City e Shanghai. Por isso, o processo de application é igual e unificado; a diferença é que você escolhe qual o seu campus de preferência e cada campus tem sua própria política de financial aid (o campus de Abu Dhabi é o único need-blind entre os três, por exemplo).
Eu já havia sido apresentado a ela antes, ainda no meu primeiro ano de application, mas o preconceito que eu tinha sobre a vida no oriente médio me blindou contra o que seria futuramente minha dream school. Quando decidi conversar com uma amiga que já estudava lá, descobri que muitas das minhas ideias estavam erradas, principalmente no que diz respeito a questões religiosas, de gênero e de liberdade de expressão. Ao passo que conhecer a realidade foi importante, reconhecer os desafios enfrentados nos Emirados Árabes Unidos me fez sonhar com uma oportunidade diferente: me tornar um cidadão global!
Em um dos campus com alunos de mais de 100 países, com diversas oportunidades de entender conflitos globais por meio de uma perspectiva diferente e no qual a diversidade vai desde a quantidade de línguas faladas, até a expressão de gênero e de sexualidade, com direito a organizações estudantis LGBTQIA+, por exemplo, eu queria desafiar minha própria percepção do mundo. Além disso, eu procurava estudar literatura, escrita criativa e ciências políticas com enfoque global — algo que não ocorria com facilidade nos EUA visto que, na maioria das vezes, especialmente em literatura, o enfoque era sempre em literatura em língua inglesa.
Entretanto, mesmo sonhando em ser aceito e dando meu máximo, eu sabia que tudo era muito incerto. Por isso, continuei estudando arduamente, prestando o ENEM mais uma vez e prometendo a mim mesmo que seria a última vez, pois se eu não passasse no segundo ano de gap, faria a graduação aqui no Brasil.
Depois de refazer a college list, escrever novas essays e ficar paranóico até sobre as vírgulas que eu colocava no Common App, no dia primeiro de janeiro, quando enviei minha application como ED 2 para NYU Abu Dhabi, eu mal estava pensando. Eu só queria finalizar aquela parte da minha vida e seguir em frente independente do resultado.
Passei na federal mais uma vez e fui com o coração aberto fazer minha matrícula. Pesquisei as aulas, conversei com amigos sobre a área de Relações Internacionais (o curso que eu faria aqui no Brasil) e realmente abracei aquela oportunidade. Entretanto, como se Deus estivesse me pondo à prova ao longo dos últimos anos, fui surpreendido primeiramente com o convite para a Candidate Weekend (CW) (um final de semana com tudo pago em NYU Abu Dhabi, , a minha primeira viagem internacional e os dois dias mais incríveis da minha vida!) e depois com a minha aceitação definitiva.
O que minha jornada me ensinou
Meu eu de anos atrás, que só pensava em aprender inglês para ler mais, nunca imaginaria que anos depois atravessaria o oceano atlântico para dançar no meio do deserto, ver obras de arte no museu do Louvre em Abu Dhabi nem que se encantaria pelo povo árabe, que é tão animado quanto nós brasileiros! Quando eu fui aceito depois de anos no que tantas vezes parecia impossível, acredito que, mais do que felicidade, senti uma liberdade sem tamanho e um coração cheio de esperança pelos anos vindouros.
Durante minha jornada até NYUAD, aprendi a palavra árabe Maktub, que significa “já estava escrito.” Não sei se destino existe ou não, mas, depois de tudo que aconteceu, eu não consigo imaginar uma jornada mais inexplicável do que a que eu vivi. Comecei em um deserto de oportunidades e acabei em um oásis. Por isso, mentee, se eu pudesse te pedir para escolher apenas uma conclusão deste amontoado de palavras, te pediria para gravar consigo que tudo que acontece enquanto batalhamos pelos nossos sonhos, as derrotas e as vitórias, fazem parte de jornadas muito maiores e que nos levarão ao que é o certo para nós, por mais que o certo, na grande maioria das vezes, seja inteiramente inesperado.