O Eduardo Leal tem 21 anos, nasceu e cresceu em Belo Horizonte e agora estuda em Yale University. Durante o ensino médio, o Eduardo participou do YYGS, era envolvido com olimpíadas científicas de química e línguas estrangeiras. Em Yale, ele fez study abroad na Islândia, faz parte de um grupo de Acapella chamado Redhot & Blue, é envolvido com a comunidade latina e faz majors em chemical engineering e statistics.
Bom, primeiro eu queria entender um pouco de como esse sonho de estudar fora surgiu e como você foi parar em Yale
Eu acho que esse sonho começa em muita gente de uma maneira similar. Eu já percebi que os alunos brasileiros que estudam fora têm um ponto em comum, que é a excelência acadêmica - todo mundo têm resultados acadêmicos impressionantes ao longo da vida estudando no Brasil. E foi assim que esse sonho começou para mim. Eu sempre tive resultados muito positivos na escola e meus pais, vendo esses resultados, começaram a me incentivar bastante. Por mais que meu pais amem o Brasil, eles sabiam que na questão da educação o Brasil ainda tem muito para melhorar, então eles sempre me encorajaram a buscar uma educação que, na visão deles, eu só poderia ter estudando fora - de certa forma eu concordo, porque estudar fora te possibilita muito mais oportunidades e experiências. Desde muito novo, eu sempre quis estudar fora e minha mãe falava que eu iria estudar em Harvard. Em 2015, eu fiz um intercâmbio para França e foi uma das primeiras experiências internacionais que eu tive, de passar um logo período no exterior mesmo. Quando eu voltei, eu comecei a procurar uma maneira em que eu poderia ter outra oportunidade como aquela. Como intercâmbios e summer programs são muito caros, eu procurei por um programa que pudesse me dar apoio financeiro. Foi aí que eu achei o Yale Young Global Scholars e foi a primeira vez que eu conheci Yale. Foi o programa que me fez aplicar para Yale no Early Action. Eu gostei bastante do campus, das pessoas que eu conheci lá e da experiência que eu tive como um todo - eu consegui me imaginar muito estudando em Yale. Eu passei em Early Action, então eu nem cheguei a aplicar para muitas outras universidades. Eu fui para Yale no fall de 2017, em agosto.
Como foi a sua experiência com o application e que dicas você daria para quem está aplicando agora?
Quando eu fui chegando no ensino médio, eu fui começando a pesquisar mais sobre o processo e era uma coisa muito intimidadora. Eu lembro que quando eu estava pensando em aplicar, ali no começo de 2013 ou 2014, eu sempre pesquisava sobre brasileiros estudando fora e as histórias que ganham repercussão na mídia são sempre histórias que são super fora do comum. Eu lembro que estava lendo uma matéria do G1 sobre uma menina que tinha passado em Harvard e ela falava “estava no meu quarto do ITA quando recebi a notícia”. A menina está no ITA e falava “olha, passei em Harvard, que coisa!”. Ou você também lê histórias de pessoas que tiveram um impacto muito grande na comunidade ou fizeram coisas muito incríveis e fora do normal. Eu nunca consegui me imaginar tendo um impacto tão grande - eu nunca me envolvi com um voluntariado muito grande ou com um tipo de atividade que tivesse muita visibilidade. Eu sempre foquei muito na escola, em tirar nota boa, fazer esporte e língua estrangeira. Então quando eu estava aplicando, sempre foi uma coisa que parecia muito inatingível e difícil. Eu não sabia de histórias de pessoas que simplesmente tiravam notas boas, faziam as coisas que gostavam, escreveram essays e passaram. Por mais que essas histórias definitivamente existiam, não eram histórias que eu tinha acesso - eu não conhecia ninguém que estudava fora. Yale sempre fala que uma das partes mais importantes para eles é o school transcript - que é o documento que vai mostrar, no seu contexto, a sua performance acadêmica. Você ir no SAT e tirar 1250 de 1600 não quer dizer muita coisa - quer dizer que você ficou nervoso na prova, que você não está acostumado com esse tipo de prova e que você se esforçou bastante, porque 1250 já não é uma coisa fácil apesar de ser uma nota um pouco abaixo do que a gente considera um range confortável para universidades competitivas. Eu sempre foquei muito nessa questão das notas e procurava fazer atividades extracurriculares que eu gostava. As línguas foram uma das atividades que eu mais me dediquei - eu aprendi inglês, depois espanhol, depois francês e um pouco de alemão. O meu personal statement foi justamente sobre essa questão das línguas estrangeiras e de ter contato com outras culturas. Inclusive foi muito legal porque eu falo sobre o meu intercâmbio na França em 2015 e como essa foi a primeira oportunidade que eu tive para colocar em prática tudo o que eu estava aprendendo. Acho que o sonho da maioria dos brasileiros que estão aprendendo línguas é realmente conseguir colocar isso em prática e isso é muito difícil, porque viajar para o exterior é uma coisa muito cara. Para a minha família foi muito difícil pagar por esse intercâmbio, mas no momento em que eu vi que seria possível eu sabia que eu tinha que aproveitar o máximo. A maioria das pessoas do programa eram da Suíça e algumas delas falavam alemão, enquanto a gente tinha aula de francês todos os dias, a gente se comunicava mais em inglês porque tìnhamos meio que preguiça de falar francês o tempo inteiro, e algumas das pessoas do programa eram da América Latina, então eu consegui falar espanhol também. Juntando com o fato de que eu conversava todos os dias com a minha família em português, acabou que eu falava todas as 5 línguas que eu sabia ao mesmo tempo e foi incrível. Voltando dessa oportunidade eu comecei a focar mais no application. Eu sempre recomendo fazer as provas o quanto antes você conseguir. Eu fiz o TOEFL no meu segundo ano, o SAT subjects em janeiro antes do meu terceiro ano e o SAT na primeira metade do meu terceiro ano. Acabou que não sobrou muito tempo para eu refazer as provas se eu precisasse, mas eu também percebi que pelas datas não seria muito interessante. Eu tirei uma nota ok, não foi incrível mas também não estava muito abaixo no range de Yale. Uma coisa que eu acho interessante foi que eu pensei “dá para passar, mas podia ser melhor” e daí eu pensei qual seria o meu desconforto maior: aplicar com essa nota que era boa mas não excelente ou ter que continuar estudando, gastar mais dinheiro e fazer outra prova? E daí eu cheguei a conclusão de que eu me sentiria confiante com o resto do meu application e que eu não precisava fazer outra prova, pois o estresse de ter que fazer outra prova seria muito grande. Eu acho isso interessante porque chegou na segunda metade do meu terceiro ano, eu pude focar exclusivamente na escola e em essay. Eu até parei de fazer as aulas de francês e fiquei só focando no application diretamente. Isso já era cansativo o suficiente porque tirava minha energia e me deixava ansioso com aquelas inseguranças em relação a essay e a conseguir passar. Eu fiz uma mentoria e as pessoas do meu grupo de mentees que além de focar na escola e escrever essay tinham que estudar para prova estavam muito mais estressadas com aquele sentimento de não aguento mais fazer isso e também de se sentir mais perdido em relação ao application. É realmente é muito difícil, é um sonho muito grande, tem uma expectativa muito grande, um investimento financeiro muito grande, investimento de tempo muito grande num momento em que todo mundo está mal (porque ter 16, 17 anos é muito difícil de qualquer forma). Então sempre recomendo focar bastante em fazer standardized tests antes do terceiro ano. Se você pensar, as aulas voltam em agosto e a deadline do early action/decision é 1° de novembro, então você tem 3 meses para trabalhar na essay. E, sinceramente, para fazer uma essay que se destaca você precisa focar completamente nelas nesses três meses. Depois de novembro, você tem só mais 2 meses para aplicar para todas as outras universidades da sua lista. Se você puder se dedicar só a preencher o common app, fazer a descrição das suas atividades e fazer essays que estejam realmente bem escritas - que falem de você, que se complementem, que não fiquem repetindo só a mesma coisa e que você não fique apenas showing off - é muito melhor. Escrever essas essays são muito difíceis porque a gente só está acostumado a escrever essay de introdução, desenvolvimento 1 e 2 e proposta de intervenção. Daí chega uma universidade e fala “escreva sobre um momento em que você falhou” e daí a vontade é escrever “o fracasso é uma coisa comum na sociedade [...]”, mas não é isso que eles querem. Eles querem que você escreva algo tipo “eu na minha vida tinha esse sonho, queria fazer isso por causa disso, disso e disso. Cheguei, falhei, assim que eu me senti e isso que eu decidi fazer depois ou ainda não sei que fazer depois” e esse é um tipo de texto que a maioria dos jovens brasileiros não está acostumado a escrever. Poder tirar um tempo que seja longo o bastante para você se adaptar a esse estilo e ainda escrever numa língua diferentes é muito importante. Eu sempre acho importante poder focar bastante em essay e o resultado sempre vem.
O que você estuda em Yale e como foi a sua trajetória acadêmica na universidade?
Eu comecei achando que eu iria estudar química porque eu amava química no ensino médio (e ainda gosto bastante). Eu gostei muito das aulas de química, mas no meu freshman summer eu fiz pesquisa em química por um programa que chama STARS em Yale e eu não gostei muito do estilo de vida. Muita gente fala que eu não tive sorte com o laboratório que eu fiquei, mas eu realmente achei que o equilíbrio entre trabalho e vida social não era muito sustentável. O processo de pesquisa para mim também era muito repetitivo e muito tentativa e erro. A partir desse momento eu comecei a tentar achar uma nova oportunidade acadêmica e profissional para mim que pudesse conciliar a minha paixão pela química e pelas ciências exatas, mas que fosse me dar mais oportunidades no mercado de trabalho além da pesquisa acadêmica. Foi aí que eu mudei para a engenharia química. Eu fiz meu sophomore year inteiro como chemical engineer e depois eu fiz um summer abroad de 6 semanas na Islândia. Lá eu fiz pesquisa sobre desenvolvimento sustentável, o que o país está fazendo a respeito da questão da transição para uma mentalidade mais sustentável e de carbon transition na população. Quando eu voltei para Yale no semestre seguinte, eu comecei a perceber que as aulas de engenharia não estavam me deixando muito feliz e não estavam entregando o tipo de conhecimento que eu gostaria de adquirir. Também comecei a perceber que as oportunidades de trabalho não se adequavam muito aos meus objetivos - principalmente depois de estudar nos Estados Unidos e morar em New Haven, eu percebi que ter algum tipo de conexão com o Brasil era muito importante para mim, o que não seria possível em uma cidade muito pequena. O problema é que a maioria dos trabalhos de engenharia química eram muito focados no interior e em áreas onde eu sinceramente não conseguia me imaginar vivendo. Então eu comecei a pensar mais no que eu poderia fazer que fosse me permitir ter uma maior flexibilidade de lugares onde eu poderia morar e um modelo de trabalho mais dinâmico, porque eu sempre achei engenharia muito focada em um modelo de produção - você está tentando otimizar um processo, resolver um problema de uma fábrica ou coisas do tipo. No fall do meu junior year, eu peguei uma aula de estatística e gostei muito. Daí eu cheguei a conclusão de que eu não queria mais focar tanto em engenharia e que eu estava curtindo muito estatística, então olhei a organização de aulas que eu teria que pegar para me formar e percebi que eu poderia fazer os dois. Desde o semestre passado sou double major em chemical engineering e statistics, o que foi meio tarde porque a maioria das pessoas decide que quer fazer double major antes do junior year. Desde então eu estou focando nas duas áreas. Esse summer eu estou trabalhando na Bain com consultoria estratégica e estou gostando bastante, daí resta saber o que vai acontecer no ano que vem com remote classes. Agora eu percebi que já estou indo pro senior year e que tenho que aproveitar para pegar as aulas diferentes que sempre quis pegar, então quero pegar mandarim e estou pensando em árabe também.
Como tem sido a sua experiência estudando fora em uma universidade de elite e como foi se adaptar a essa “outra realidade”?
Eu falei muito sobre a preparação acadêmica e isso diz muito sobre a cabeça que eu estava na época. Eu pensava “gente, Estados Unidos, continente americano, também foram colônia, mesma coisa e não haverá diferenças, não haverá choque cultural, já sei falar inglês direitinho, vai dar tudo certo”. Eu não pensei no choque cultural que seria, não pensei na diferença de língua, não pensei na diferença de clima e achava que ia ser tudo perfeito. Não idealizem nada, principalmente faculdade. Cheguei lá e era uma coisa completamente diferente. Inclusive leiam o livro Americanah, da Chimamanda Ngozi Adichie - é um livro sensacional, me foi recomendado pela minha instrutora no YYGS e fala muito sobre a teoria da interseccionalidade ou intersectional theory. É sobre a experiência de uma mulher negra nos Estados Unidos que é uma imigrante e tem vários problemas para se manter lá (um dos namorados dela até chega a ser deportado). Eu gostava muito de Orange is the New Black e eu percebia que lá tinha uma segregação muito grande de quem era branca, quem era latina, quem era negra e quem era asiática. E, se você for olhar, a maior parte das mulheres latinas lá também são negras e isso é interseccionalidade. Então alguns meses antes de ir eu li Americanah e comecei a pensar que eu era negro e também era latino - e eu fui para lá pensando como iria fazer para conciliar isso. Chegando lá, é uma experiência muito diferente em vários aspectos. É muito difícil de explicar porque é algo muito sutil, mas as pessoas brancas lá têm uma arrogância para falar com outras pessoas que não são brancas, principalmente quando você é de um país diferente e não tem a mesma condição social que eles. Pensar na questão de renda nos Estados Unidos é muito estranho, porque é pensar que tem gente que consegue pagar 80 mil dólares por ano em uma faculdade, que é 400 mil reais por ano. Pensar que tem alguém que consegue pagar isso sem nenhuma ajuda financeira, pelo menos na minha realidade - de alguém que já é de classe média alta no Brasil e estudou em escolas caras a vida inteira, fez intercâmbio na França - pensar em gastar 400 mil reais por ano é absurdo. E, ainda assim, a maioria dos alunos lá conseguem pagar isso. Acaba então que você vai adicionando camadas - negro, latino, internacional, baixa renda no contexto deles. Eu comecei a perceber então uma arrogância muito grande do pessoal de lá, e acaba que tem um gaslighting muito grande. Às vezes acontece uma situação desagradável e você fica meio assim “gente, será que eu to doido? Será que eu estou imaginando coisas? Será que essa pessoa está me tratando mal, está sendo indelicada? Será que ela realmente está me tratando como se eu fosse incompetente?” e daí você pergunta com um amigo seu e a pessoa fala que também percebeu. E daí eu comecei a perceber isso, que as pessoas me tratavam de um jeito diferente. Eu não consegui perceber uma compreensão muito grande dos americanos sobre essa diferença cultural. No Brasil a gente é muito caloroso, abraça as pessoas, é super normal ligar para os outros e daí acaba que eu percebi que quando eu cheguei lá não é assim. Quando você vai pro quarto de alguém sem falar nada eles acham super estranho, perguntam porque não mandei mensagem antes. Muita gente também não entendia o jeito que eu falava ou o modo como eu comunicava as coisas, porque lá nos Estados Unidos eles têm um jeito diferente de falar as coisas. Aqui no Brasil as pessoas sempre são muito diretas - seja uma coisa negativa ou positiva, opinião sobre uma notícia etc -, mas nos Estados Unidos, quando você tem uma opinião, principalmente sobre uma pessoa ou algo que ela fez para você, essa opinião precisa ser atenuada. Você não pode chegar e falar “você fez isso e eu não gostei”, você precisa falar “quando você fez isso, eu imagino que a sua intenção era essa, mas para mim ficou parecendo isso; no futuro, eu gostaria que em vez de fazer isso, você fizesse isso”. E isso faz total sentido mas ao mesmo tempo não é algo que estamos acostumados a fazer. Então foi muito estranho e difícil pra mim fazer amigos no início - durante uma parte grande do meu primeiro ano eu fiquei amigo de pessoas que não tinham muito a ver comigo e que não me apoiavam. No meu segundo ano, eu comecei a perceber que tinha uma comunidade brasileira muito legal lá, tinha o centro cultural latino hispânico que é a La Casa, mas que os brasileiros tinham uma relação estranha com a La Casa - a gente entrava lá e ficávamos meio assim porque tudo era em espanhol, tinham várias bandeiras de vários países mas não tinha a bandeira do Brasil… E daí eu decidi que eu iria pelo menos tentar melhorar essa relação - tentar achar um lugar melhor para mim e para outras pessoas que passassem por uma situação parecida com a minha em Yale. Então eu comecei a trabalhar no centro cultural latino como mentor para freshmen e começaram a ter várias pessoas que perceberam que a La Casa tava muito centrada num tipo de pessoa que, por exemplo, os pais são mexicanos mas daí a pessoa migrou para os Estados Unidos e é a primeira geração de americano mas fala espanhol em casa. Tinham várias pessoas do méxico, do Porto Rico, mas acabava que não tinha uma representatividade da América do Sul, América Central e da questão toda do Brasil. Eu comecei a trabalhar muito isso com eles e eles estavam muito abertos a isso - inclusive nesse último ano o tema da La Casa foi “Decolonizing La Casa”. Falamos sobre essa questão de descolonização, de começar a falar sobre o racismo que existe dentro da comunidade latina - como os padrões de beleza influenciam, como as histórias que têm visibilidade lá dentro são das pessoas de pele clara -, como existe muito machismo, homofobia e transfobia enraizados na comunidade latina e como a gente poderia tornar aquele ambiente da La Casa mais inclusivo e mais aconchegante para alunos que não fizessem parte daquela história que eles estavam cultivando. Eu falo que o momento que eu comecei a trabalhar na La Casa foi o momento que mudou completamente a maneira como eu me sentia nos Estados Unidos e em Yale. Eu encontrei uma comunidade que foi muito mais receptiva e acolhedora para mim, uma comunidade que entendia quando eu não conseguia comunicar as coisas direito em inglês e uma comunidade que entendia como eu me sentia muitas vezes excluído no campus dessa maioria branca de classe altíssima dos Estados Unidos. E aí começou a melhorar bastante. No meu sophomore year eu também fui co-presidente do Brazil Club com a Maria Eduarda Santana e a gente tentou focar bastante nessa parceria do Brazil Club com a La Casa e trabalhar em expandir o Yale Dream, tentar abordar gente diferente justamente para aumentar esse processo de inclusão da comunidade brasileira no campus. A gente conseguiu fazer mais eventos, conseguimos estabelecer parcerias com empresas que foram fazer recrutamento no campus e várias coisas legais. Essa tem sido a minha experiência em questão racial cultural no campus. Pra mim foi muito difícil, mas foi muito importante achar um grupo de pessoas que poderia me apoiar e me entender. Ter esse grupo de pessoas que eu posso contar, mesmo que ele varie, é muito importante e me ajuda muito. Eu fiz parte de um grupo Acapella também, que me permitiu viajar o mundo inteiro - a gente já foi pra China, fez turnê no Brasil, já fomos em São Francisco, Chicago, Los Angeles e muitos outros lugares. Foi uma das melhores experiências que tive na faculdade, foi muito legal poder fazer essas viagens com um grupo de amigos tão incrível.
E como você falaria sobre a questão de representatividade e “realidade” na própria questão da comunidade brasileira estudando fora?
Falando um pouco mais sobre como mudou o tipo de pessoa que estuda fora, eu não vou falar que não existem problemas porque os estudantes brasileiros negros que estudam fora eu consigo contar nos dedos de uma mão. Porém se você olhar como um todo, ainda que não haja uma diversidade racial muito grande, ainda há uma diversidade de perfil socioeconômico que não existia antes e uma diversidade de backgrounds que eu não via antes. A maioria dos meus amigos que estuda fora são literalmente gente como a gente: fizeram ensino médio, fizeram algumas atividades que eles realmente gostam, alguns fizeram intercâmbio, alguns fizeram voluntariado porque eles realmente se interessam. Eu nunca fiz voluntariado e consegui passar na faculdade que eu queria. Muita gente pensa “ah, precisa fazer voluntariado, precisa fazer isso, aquilo” mas na verdade você só precisa fazer o que você gosta. Todo mundo fala isso mas é verdade: você só precisa mostrar que você está fazendo algo que você gosta e não está fazendo algo porque você quer que outras pessoas vejam o que você está fazendo. Isso é o que eu acho que é mais inspirador nas pessoas que estudam fora. Claro que são sempre pessoas sempre super inteligentes, gente incrível, mas são gente como a gente: gente que tem problemas como a gente, que tem dificuldades, que tem sonhos e que encontra dificuldades para realizar esses sonhos também. Não precisa ser uma pessoa que curou o câncer 3 vezes, que já viajou o mundo inteiro ou que fez voluntariado na África. Porque assim, eu conheço sim pessoas estudando fora que têm trajetórias incríveis, mas também conheço muitas pessoas que só se esforçaram bastante, colocaram muita dedicação e tempo para realizar esse sonho e que conseguiram. Minha dica é sempre tentar procurar pessoas que têm um perfil similar ao seu ou coisas que você também conseguiria fazer e ver como foi a experiência dessa pessoa, porque é muito fácil ficar desmotivado vendo essas histórias que são a exceção da exceção e muito fora da realidade.
Como foi toda essa questão de expectativa X realidade na universidade?
Com certeza teve uma questão de decepção muito grande porque a faculdade não foi como eu imaginei. Eu jamais imaginei que eu teria que passar tempo sozinho. Acaba que durante a semana é realmente muito difícil conseguir conciliar para você conseguir passar um tempo com seus amigos - existem demandas acadêmicas muito grandes e as pessoas precisam focar muito nisso, então a disponibilidade das pessoas nem sempre coincide porque tem toda a questão da procrastinação, de eventos sociais, prioridades diferentes e tem gente que faz mil coisas no campus, tem gente que foca mais só na parte acadêmica, outros fazem pesquisa… E mesmo na parte acadêmica teve um choque muito grande também. Porque a gente acha que quando a gente chegar na universidade vai ser todo mundo gênio, todo mundo com QI de Einstein e que não existem pessoas que tiram notas ruins - e a verdade é que essas pessoas são uma minoria muito grande. A maioria das pessoas que estão lá eu vejo que não necessariamente são o que a sociedade chamaria de gênios, elas são o que a sociedade chamaria de pessoas dedicadas, esforçadas e comprometidas. São pessoas que sabem como estuda, sabem ser proativas quando possuem dúvidas e que sabem otimizar o tempo delas. Então por exemplo, se você está numa aula, sai dessa aula e não entendeu nada: pode ter certeza que metade das pessoas também não entenderam nada. Você pensa que as aulas são perfeitas, que todo mundo é brilhante, que todo mundo entende tudo e vai bem, mas não funciona assim. Assim como em qualquer escola do Brasil, existem pessoas que estão acima da curva, pessoas que estão no meio da curva e pessoas que estão abaixo. Isso varia em questão de aula, em questão de ano e também em toda a questão emocional que você está passando - às vezes você está passando por um momento mais difícil na sua vida e isso afeta sua performance. Tudo isso é para falar que mesmo em Yale, mesmo em Harvard, mesmo no MIT, existe um gradiente de pessoas: existem as pessoas que estão acima da média em notas, pessoas que estão na média e pessoas que estão abaixo - e essas pessoas que estão abaixo da média nesses aspectos com certeza estão acima da média em outros aspectos porque se elas conseguiram chegar onde elas estão, elas com certeza são brilhantes em algo. Então é muito importante colocar isso na cabeça: todo mundo têm seus pontos fortes e fracos e isso não vai ser diferente na faculdade. Acabou que eu estava esperando por uma demanda muito maior - achava que as aulas seriam mais difíceis, que iria ser tudo muito puxado e não necessariamente é assim. Existem aulas que são realmente muito puxadas mas também existem aulas que são bem tranquilas e isso varia de pessoa para pessoa. No meu sophomore year eu fiz uma aula em Yale de physical chemistry e todo mundo falava que era horrível, que as listas de atividades eram gigantes e que o professor era inflexível. Eu fiz a aula e foi uma das aulas que eu mais gostei, senão a aula que eu mais aprendi e que eu mais consegui colocar conhecimentos em prática. Então assim, de expectativa e de adaptação eu falaria para sempre colocar os pés no chão. Saiba que terão coisas excepcionais sobre estudar fora, terão coisas que serão ok e terão coisas que você ficará muito decepcionado porque a vida é assim, não existe coisa que é 100% boa ou 100% ruim.
Se você estivesse lendo essa entrevista há 4 anos atrás, o que você gostaria de dizer para o seu eu do passado?
Eu diria com certeza para manter uma mente aberta para as coisas. Igual eu falei, eu cheguei assim 100% certo que eu iria fazer química e acaba que uma coisa é você gostar de fazer aquilo, outra coisa é você gostar realmente de fazer a coisa e a outra coisa é você gostar do futuro que aquilo pode te proporcionar. Não é falando “escolha um major que te dê dinheiro”, mas sim falar “escolha um major que te dê as habilidades e as oportunidades que sejam coisas que você goste muito”. Quem faz química nos Estados Unidos ou está focado em entrar em med school ou em ir fazer um programa de pós graduação como PhD ou Masters. Em geral, todos esses caminhos envolvem fazer pesquisa e eu achava que porque eu gostava de química no ensino médio - achava legal química orgânica, adorava fazer conta de estequiometria e achava físico química legal - eu iria gostar de fazer pesquisa. Cheguei lá, fui fazer pesquisa em química orgânica e achei péssimo, achei parado. Tem gente que ama fazer pesquisa, passa a vida inteira fazendo isso e acha incrível - eu não sou assim. Então chegar com a mente aberta, fazer aulas que acha legal e ir descobrindo o que gosta é muito mais interessante do que só focar numa área específica. E mesmo dentro do que você gosta às vezes isso acontece: agora eu estou fazendo aulas em estatística e semestre passado eu peguei uma aula de estatística teórica que doía fazer, não gostava de jeito nenhum. Mas tinha uma outra parte de estatística que é muito mais focada em implementação, em criar modelos e numa parte muito mais focada na ciência da programação que é muito mais legal. Então eu já sei disso e no próximo semestre eu vou focar em pegar aulas de estatísticas focadas nessa parte de implementação em vez da parte de estatística teórica. Eu sinceramente acho que chegar na faculdade sem saber qual o seu major é a melhor coisa que alguém pode fazer. No ensino médio você já sabe quais as matérias que você gosta, então tenta escolher pelo menos 3 matérias que você gosta e faz uma aula em cada, vê qual você gosta e se você gostar você faz mais aulas. E daí se você não gostar às vezes pode acontecer de você não gostar da aula, mas de ter uma partezinha ali que você se interessou. Tenta pegar uma aula nessa partezinha. E também diria para procurar mais sobre a parte de carreira. Não que o seu major seja muito binding nessa questão de carreira, do tipo “ah, se você fizer computer science você tem que trabalhar com coding ou se você fizer engenharia você precisa trabalhar com engenharia”, e sim na questão de “as pessoas que têm o major que eu faço, quais são as trajetórias delas após a graduação? que tipo de trabalho elas fazem? Elas vão para pós, vão para med school, law school, vão trabalhar em indústria, vão trabalhar em bancos de investimento, vão trabalhar em consultoria, vão trabalhar em startup, fazer pesquisa no Brasil?”. Você não precisa imaginar e planejar a sua vida inteira, mas é legal se questionar, pelas coisas que você já fez na vida, qual o tipo de coisa você imagina que você iria gostar. E se você chegar, for fazer essa coisa e achar péssimo, está tudo bem. Esse fui eu com pesquisa de química e agora achei esse trabalho com consultoria que eu estou achando muito legal e que funciona muito bem para mim. Então sempre ter uma mente aberta nesse sentido - para aulas, para carreira, para tudo. Não crie uma expectativa muito grande do tipo “eu vou chegar lá e vai ser perfeito, eu vou fazer vários amigos, vou ter aulas perfeitas e daí no meu segundo semestre eu vou achar a minha paixão” porque na grande maioria das vezes isso não vai acontecer. Se você não estiver preparado para mudar você vai passar por um estresse muito maior. Às vezes você passa 3 semestres fazendo aulas de economia e percebe que não quer isso, e se você não estiver preparado para lidar com essa mudança vai ser muito pior ou você vai continuar fazendo uma coisa que você não gosta porque você quer evitar passar por esse tipo de estresse - o que é muito pior. Então sempre mantenha uma mente aberta e tente pensar que terão coisas boas e coisas ruins, que você pode se envolver com certas coisas mas que se você não curtir você pode se envolver com outras também.