A Juliana Milani é paulistana, tem 21 anos e é rising senior em Vassar College. Durante o ensino médio, a Juliana se envolveu com cinema e edição de vídeo, fez coral e era professora de português voluntária em uma escola pública do projeto VOA. Em Vassar, a Juliana faz major em Anthropology e Latin American Studies, joga vôlei e fez parte do SisterHacks. Atualmente, ela está fazendo um summer job sobre diversidade e inclusão na VTEX, é mentora da BRAIE e trabalha há um ano com a TODXS, uma Startup social focada na capacitação de profissionais LGBTQIA+ para o mercado de trabalho.

Como surgiu a ideia de aplicar para fora?

Meus pais sempre trabalharam fora de casa, então eu fui criada de uma maneira bastante independente. Conforme eu fui crescendo, acho que eu vi a necessidade de explorar essa independência em um outro contexto. Eu queria conhecer coisas novas, explorar o mundo e ter experiências um pouco diferentes das que eu poderia ter aqui no Brasil -  então, decidi aplicar para os Estados Unidos.

Como foi o seu application e quais foram os maiores desafios que você encarou nessa jornada?

Eu acho que todo mundo passa por inseguranças no application justamente por ser um processo muito pessoal em que a gente tem que olhar demasiadamente para si. Eu tive bastante estrutura quando eu apliquei porque estudei no ETAPA, que tem um bom histórico de mandar gente para fora. Então eu tive uma counselor, aulas para o SAT e TOEFL e muito apoio. A minha maior dificuldade na época foi muito relacionada à autoestima mesmo. O ETAPA sempre mandou pessoas para fora, mas sempre foi algo muito focado em STEM - eram pessoas que faziam várias olimpíadas científicas de exatas e eram super envolvidas em exatas. Eu sentia que todo mundo a minha volta era incrível e tinha desempenho incrível em olimpíadas enquanto eu era apenas uma garota de humanas. Isso foi muito difícil. Eu deixei de aplicar para muitos lugares porque eu achava que, se alguém da minha escola fosse passar, não seria eu. Eu deixei de aplicar para Ivy Leagues e universidades mais competitivas porque no fundo eu não achava que eu era capaz. Acabou que eu meio que comprei essa ideia de Liberal Arts na época pelos motivos errados - porque eu achava que tinha muito a ver comigo e porque via que era algo mais realista de eu passar. Eu acho que eu fui para o lugar certo por alguns motivos não tão certos. Eu sou até grata por não ter aplicado para outras universidades porque hoje eu vejo que o mundo da Liberal Arts é muito para mim - eu me vejo muito nele e meu desempenho em si é muito bom. Por outro lado, eu tive bastante dificuldade em entender o que eu gostava e traduzir isso no application. Eu era muito interessada em cinema e passei muito tempo me dedicando a isso: eu fiz um curta, me preparei para a prova específica de audiovisual do vestibular da USP e li muito sobre audiovisual e cinema na época. Quando eu fiz o ENEM, porém, eu tive uma “crise” sobre o que eu queria fazer. Eu comecei a me questionar e a me perguntar como eu queria fazer cinema se eu sempre vivi numa bolha e não sabia nada sobre o mundo. Foi ali que eu migrei para as ciências sociais. Antes de querer produzir qualquer coisa para o mundo eu tenho que parar para refletir, eu preciso aprender mais sobre o mundo e sobre as pessoas. Ali eu comecei a me interessar muito por antropologia, que é o próprio estudo das culturas. Hoje estudo antropologia com foco na linguística e na antropologia cultural. Acabou que meu application ficou muito desestruturado por conta dessa mudança de rumo logo no final do processo. Eu tinha um personal statement pronto sobre como Orange is the New Black mudou a minha percepção de mundo. No final, eu consegui articular de uma forma legal como o cinema e a arte transportam a gente para universos em que a gente não conheceria de outra forma justamente fazendo essa relação com antropologia.

Por que você escolheu Vassar?

Então, eu tive uma college list bastante diversa. Eu apliquei para algumas universidades na East e na West Coast, para algumas state schools, outras liberal arts, outras art schools mesmo e até research university. No final, a minha escolha foi Vassar College e Macalester College. Acredito que os fatores que me levaram a escolher Vassar foram a localização - porque é relativamente perto de Nova Iorque, então se ocorresse qualquer coisa Nova Iorque e São Paulo é um voo só - e recursos, porque eu estaria mais perto de pessoas que eu conhecia e eu teria muito mais facilidade de ir para outros lugares. Outro ponto também é que Vassar tem programas de intercâmbio incríveis, o que eu tomei proveito no ano passado (fiz um study abroad na Argentina chamado Transnationalism and Comparative development in the Southern cone). Eu fui visitar outras faculdades na região de New England e amigos meus também, o que eu não conseguiria em Macalester porque Minnesota é mais afastada.

A Juliana com uma amiga em um tour pela Casa Rosada, na Argentina

Como é estudar em uma Liberal Arts?

Então, eu acabei de enviar uma mensagem no WhatsApp para a minha orientadora e isso nunca aconteceria em uma universidade grande. As relações com os professores são muito mais próximas e muito mais acessíveis. Eu sinto que tem muitos professores e orientadores dando apoio pra gente. Eu recebi essa semana um email de uma professora que me dará meu senior seminar no fall (ou seja, daqui a dois meses) meio que checking in, querendo saber como a gente está e se a gente precisa de alguma coisa. Daí tinha sido Juneteenth nos Estados Unidos, que é o feriado da abolição da escravatura, e ela enviou muitos recursos e leituras mostrando pessoas que foram super importantes para a antropologia e alguns documentos que fazem análises críticas sobre o racismo da época. Ela falou que não precisava responder o email nem ler tudo, que nada era requerido ainda mas que ela só queria ver como a gente está mesmo e prover recursos porque essa época está sendo especialmente difícil para students of color. Eu não me vejo realmente em outro lugar porque eu sinto que é um lugar que me acolhe muito. Em um primeiro ponto então, eu diria que professores são uma parte muito importante da Liberal Arts. É muito fácil de ficar próxima de um professor, tomar um café e se envolver com pesquisa com eles (principalmente porque geralmente Liberal Arts só tem Undergraduate School). Acho que outra coisa que chama muito a minha intenção é a estrutura acadêmica. Vassar tem 4 requerimentos para você se formar: pegar uma aula de writing no freshman year, pegar uma aula de língua estrangeira que você seja minimamente fluente, pegar uma aula de STEM e uma aula de social sciences. O legal é que dá para brincar muito com isso, porque eu por exemplo já peguei aulas de física quântica, da história da música latino-americana e de análise de movimentos (em que a gente estuda o movimento do corpo e anatomia). Isso é muito incrível porque dá para explorar e aprender sobre muitas coisas. Acho que por isso mesmo tem gente que acha que Liberal Arts é só bagunça, que pensam ‘ah, não vou me desenvolver, vou ficar só brincando e depois quando me formar não vou ter habilidades concretas’ e a verdade é que não funciona assim. Isso depende muito da pessoa e dos objetivos de cada um. Eu sempre soube que eu queria antropologia e a minha advisor é de antropologia mesmo. Então você não está livre e solto para fazer qualquer coisa - você não está perdido. Você só precisa pegar aulas que façam sentido e inclusive temos vários requerimentos para conseguir pegar um major. A questão de ter uma advisor também ajuda muito porque ela consegue te orientar e te ajudar a dar passos que irão te auxiliar a conquistar seus objetivos e que não farão você perder seu tempo ou dinheiro. Pra mim, toda essa estrutura do Liberal Arts faz muito sentido, porque tenho vivido isso pelos últimos 3 anos e essa experiência me enriqueceu de forma absurda. Eu acredito muito na Liberal Arts como a educação do futuro. A cada vez mais o conhecimento fica obsoleto mais rápido e a quantidade de coisas que a gente precisa aprender aumenta. E eu acho que a parte incrível da Liberal Arts é que ela te cria justamente para aprender a aprender e a ter as habilidades socioemocionais e soft skills necessárias para conseguir se adaptar a esse mundo do futuro. Você não vai apenas pegar um diploma super técnico e depois você vai ter que passar a vida inteira trabalhando naquilo e tentando se adaptar para as mudanças dessa área. Nós temos muitos diplomas em STEM, mas mesmo que você se forme em STEM, você ainda vai precisar pegar uma aula de literatura ou de social sciences para aprender a reagir com seres humanos, porque isso nunca vai deixar de ser necessário. E é a partir daí que você vai aprender a navegar melhor na sua vida, seja no universo profissional ou pessoal. 

Como é a social life em Vassar?

Vassar é conhecida por ser uma faculdade de esquisitos - de queers no sentido atual e de queers no sentido de esquisitos mesmo. Então é muito nicho assim. Por exemplo, tem o pessoal do residential life, que são super engajados com os eventos dos dormitórios. Eu morei em dois dormitórios, daí no meu último dormitório a presidente da casa mandava um email toda semana com meio que um correio elegante assim, com várias coisas para todo mundo se engajar. Não é o meu nicho - eu sou uma international student. Eu meio que abracei essa característica para mim. Em Vassar, somos só 3 brasileiros atualmente e quando eu cheguei era basicamente só eu. Então eu fiz meu próprio caminho nessa comunidade internacional: eu tenho amigos de todos os cantos e a gente é muito unido. Eu não sou parte formal de nenhum grupo, mas a gente sai e faz bastante coisa juntos. Lá em Vassar tem os dormitórios normais, apartamentos e casas. Normalmente, a gente faz um pequeno esquenta nos dorms e daí a gente vai para as festas nas casas. Eu gosto muito de caminhar, vou para academia de vez em quando e faço parte de um grupo de vôlei, mas acaba que no inverno tudo isso complica um pouco. Tem que ter um motivo muito bom para as pessoas quererem sair no inverno. A gente meio que se diverte como dá. Eu tenho uma amiga que tem um projetor, daí a gente sempre assistia filmes e séries no teto do quarto dela. O quarto dela era incrível, cheio de plantas e várias decorações legais, daí junto com o projetor no teto ficava sensacional. Vassar não é conhecida por ser o melhor party scene place nem nada do tipo, mas temos bastantes social events. Nossa comunidade é bem queer, bem aberta também, o que eu aprecio muito. A gente tem uma cultura muito liberal assim. Não tem tanta coisa para fazer na cidade porque a cidade é bem pequena. A gente acaba se divertindo entre nós mesmo. No verão, por exemplo, tem um lugar muito bonito que é meio que um poço. Você meio que pula a cerca de um cinema drive in e daí atrás tem um córrego com um rio. Quando está quente, a gente vai lá nadar, sobe em uma árvore e pula no rio. É bem legal.

Juliana voltando do lago com uma amiga.

Como foi a transição de mudar de São Paulo para uma cidade tão pequena quanto Poughkeepsie?

Eu sinto muita falta de movimento, de eventos diferentes e de ver pessoas diferentes. A universidade é bem pequena, então acaba que o caminho que você pega para as aulas é o mesmo e as pessoas que você vê no caminho são as mesmas. O que eu acho legal nisso tudo é que a gente faz a nossa própria diversão lá justamente por ser pequena. Existem muitos clubes, muitos acappella groups e muitas apresentações artísticas lá em Vassar, o que é muito legal porque também sempre tem coisas para fazer. Às vezes, quando a gente cansa de ficar lá, a gente só pega o trem, vai pra Nova Iorque e se diverte lá.

A Juliana com amigos da Romênia, China e India em Nova Iorque

Observação da Juliana

Acho que um ponto que eu quero destacar aqui é sobre a abordagem das universidades em relação à crise do COVID-19. O que aconteceu é que muita gente passou por muitas dificuldades. Os estudantes internacionais e de baixa renda foram um dos grupos que mais foram afetados com isso tudo. Quando aconteceu isso eu estava no meu spring break em uma outra universidade visitando uma amiga. A minha amiga recebeu um email informando que a faculdade iria fechar e que todo mundo precisava sair no domingo. E assim, quando você é estudante internacional, principalmente quando você também não tem muito dinheiro, você só senta e chora. Começam a entrar várias questões como onde deixar as nossas coisas, como vamos transportar as coisas sem carro, como levar tudo embora para outro país e vários outros questionamentos. Eu vi várias universidades fazendo o mesmo ou até pior. Tiveram faculdades que deram dois dias para todo mundo sair, uma coisa meio “vamos fechar em dois dias, eu espero que você esteja fora até lá” e pronto. Isso é muito complicado. Eu fico muito feliz de ver que Vassar não teve uma resposta assim. Como a gente estava em spring break, o que eles fizeram foi pedir para que, se possível, o pessoal não voltar. Porém, quem estava no campus poderia pedir para continuar no campus. Eu achei que essa decisão foi muito humana. Vassar não expulsou ou fez uso dessa ideia de despejar os estudantes, Vassar falou que eles recomendavam quem estava no campus e tivesse condição de ir para casa para ir. Lá a gente tem a Vassar Student Association, que distribui dinheiro para organizações, e todo o dinheiro que não foi usado foi distribuído para os estudantes cobrirem esses custos não previstos. É como se fosse um reembolso para ajudar nesses custos de última hora que as pessoas não estavam contando. Acho que se Vassar tivesse falado para eu me mudar dali a 2 dias, eu não faria a mínima ideia do que fazer. Eu vejo que eles tiveram uma resposta muito humana. Eu acho que esse momento foi inclusive muito importante para a gente se unir também, algo que poderia ser facilmente estragado se Vassar tivesse tido uma resposta negativa. A mãe de uma amiga minha fez uma viagem de 5 horas para buscar minhas coisas e me ajudar com tudo isso. Ver essa força e união é muito incrível. E acho que eu estou falando isso porque isso mostra qual a prioridade e atenção que as universidades dão para os estudantes internacionais e de baixa renda. Muitas faculdades ‘mostraram as caras’, por assim dizer.