A Juliana é natural de Osório, pequena cidade no Rio Grande do Sul, e se formou em 2018 como técnica em administração no Instituto Federal do Rio Grande do Sul (IFRS). Durante o ensino médio, ela se envolveu com atividades como teatro, simulações da ONU e o comitê de eleições do grêmio escolar. Entretanto, foi a pesquisa científica que levou a Juliana se destacar e ter feitos extraordinários. Após tirar um gap year, a jovem gaúcha está agora se preparando para ir estudar comunicação e engenharia pelos próximos 4 anos na Northwestern University, em Illinois.
Como surgiu a ideia de estudar fora e como você decidiu tentar aplicar?
"O sonho surgiu quando eu participei de uma feira de ciências pela primeira vez e, especialmente, quando eu fui especialmente para a FEBRACE em 2017. Eu tinha 16 anos e foi a minha primeira viagem de avião. Quando eu cheguei na USP, eu senti algo surreal. Um dos meus avaliadores me convidou para ir a um laboratório e quando eu entrei eu vi equipamentos que eu lia nos artigos acadêmicos mas que eu não fazia ideia de que realmente existiam. Eu comecei a chorar vendo a infraestrutura e eu percebi como eu queria muito sair de Osório e poder explorar outras coisas, poder ter outras oportunidades. Essa vontade de explorar coisas novas e ter acesso a uma infraestrutura de maior qualidade foi sendo fomentada mais a cada feira e evento novos que eu participava. Porém, eu acho que o 'click' veio mesmo quando eu pude ter a minha primeira experiência internacional, que eu vi que haviam outras pessoas que estavam realmente indo para aquelas universidades incríveis e que aquilo não era só coisa de filme. Claro que tem muito a questão da infraestrutura e de estar indo para uma faculdade de prestígio, mas eu comecei a ter esse desejo muito mais pela vontade de ir para outro país e conhecer pessoas de realidades diferentes. Conhecer e fazer conexões com pessoas diferentes era algo que eu tinha muito presente nas feiras e era minha parte preferida, ao mesmo tempo que eu aprendia muito sobre as diferentes realidades que a gente tem aqui no Brasil e agora no mundo, então isso foi o que mais me deu vontade de aplicar. Só que assim, na minha escola ninguém nunca aplicou, então sempre pareceu algo muito distante. Não ter essa cultura e essa história na escola era algo que me desmotivava muito. Em 2018, eu fui para a Intel ISEF de novo e eu ganhei uma bolsa de estudos para a Universidade do Arizona. A bolsa era só parcial, mas aquilo foi o 'fogo' que eu precisava para me encorajar a tentar. Isso foi na metade de 2018, ficaria muito corrido para fazer o Application só em alguns meses e então eu comecei mais a estudar sobre o que era, já que eu não tinha familiaridade nenhuma com o processo e não sabia o que era SAT, ACT e TOEFL. Em 2019, eu tirei um gap year para aplicar de verdade."
Como foi a sua experiência com o Gap Year?
"Gap Year é uma coisa muito delicada. Eu acho que tem uma questão pessoal que talvez não fique tão latente assim quando se aplica na escola. Acaba que tu convive muito consigo mesmo e não tem uma interação social muito grande — parecia até que eu estava na minha própria quarentena estudando. Foi uma experiência muito rica, eu cresci muito e foi um dos anos em que eu mais amadureci. Mesmo fora da escola, eu continuei correndo atrás de oportunidades e me envolvi com muita coisa, fiz voluntariado, estudei muito, fiz viagens para palestrar e divulgar ciência e até fiz um summer program fora do Brasil (no Instituto Technion, em Israel). Porém, acho que o que pesou muito em 2019 pra mim e tornou meu ano de gap muito conturbado foram problemas pessoais. Eu tive que me mudar e ir morar com meus avós durante metade do ano, então foi muito difícil ter que lidar com isso enquanto fazia o meu application. Isso me forçou a crescer muito no sentido de ver as minhas limitações, aprender a pedir ajuda e descobrir sobre mim mesma com toda essa questão de escrever as essays e de buscar um propósito."
Você é vista como inspiração e exemplo por muita gente. Como foi ter toda essa emoção de ser a ganhadora da Intel ISEF, ir pra cerimônia do Nobel, ganhar o prêmio Claudia e as outras coisas incríveis que você fez no ano do application?
"Muito mais do que fazer as coisas por reconhecimento ou por prêmios, eu fazia as coisas porque eu gostava. Uma dica bem importante para quem está fazendo application agora é que não adianta nada se envolver com coisas que vão só agregar no seu currículo mas que não tem nenhum significado para ti. No laboratório, eu sempre pensava que eu estava ali e passava tanto tempo ali dentro porque eu sou apaixonada por aquilo, porque eu gosto muito de estar aqui, de ficar testando as coisas, de ver se vai dar certo, de ficar lendo as coisas. Eu estava fazendo uma coisa que eu sabia que era minha, eu estava tendo a ideia, eu estava tendo a oportunidade de ir lá e ver se a minha ideia funciona ou não. Isso foi muito marcante para mim e, em questão de oportunidades, eu acho que foi surreal. Eu nunca tinha saído daqui e viajado, era muito difícil para mim ter a dimensão do que que era o mundo, então acho que a pesquisa abriu muitas portas para mim e a minha visão de mundo. A pesquisa também te constrói muito como ser humano crítico — tu tem que ficar analisando as coisas várias vezes e construindo uma lógica, um pensamento crítico e questionando seus próprios resultados por meio do pensamento científico. Eu acredito que ganhar a ISEF, por exemplo, é uma consequência de eu gostar tanto do que eu estava fazendo e de eu acreditar tanto no projeto em que eu estava desenvolvendo, mas claro que também tem muito a questão de oportunidades, privilégios e de experiências, porque eu já tinha participado antes e já sabia como funcionava. Porém, eu não acreditei que eu havia ganhado de início. Eu cheguei na ISEF e eu estava triste no meu stand porque eu to olhando pro stand da frente, que era um trabalho muito incrível sobre Alzheimer e eu pensava 'nossa, óbvio que o trabalho dele vai ganhar do meu'. Daí eu decidi desencanar e passei a pensar em curtir o que eu estava fazendo ali, curtir o momento e me divertir. Tem muitas atividades legais além da avaliação e muita coisa incrível para explorar, teve um ano em que a gente foi para Universal brincar nos parques. Então eu foquei mais na parte legal da feira e estava certa de que o menino na minha frente iria ganhar 1° lugar, o que não foi o que aconteceu. Com certeza, participar de tudo isso me fez crescer muito como ser humano, me trouxe uma visão de mundo muito maior, me possibilitou fazer amigos que estudam em outros países. Tinha tipo uma college fair lá na ISEF para conversar com as universidades e aquilo foi 100% surreal pra mim, lembro de ficar nervosa pra ir e lá eu chegava em cada stand e pegava todos os materiais e panfletos, falava 'eu vou aplicar pra vocês' porque eu estava naquele momento de não saber o que eu tava fazendo ainda, mas, ao mesmo tempo, estava super animada. Ter tido tantas oportunidades assim também me deu uma dimensão do que é o Brasil em comparação a outros lugares. No seminário de Estocolmo, perceber que eu era a única pessoa da América do Sul deixou muito mais evidente pra mim as oportunidades e privilégios que eu tive. As pessoas lá falavam cinco línguas diferentes, enquanto eu falar inglês no Brasil já é um baita privilégio. Então acho que isso me ajudou também a entender as desigualdades do Brasil melhor. A maioria das pessoas nos lugares que eu fui era sempre da Europa ou dos Estados Unidos, então eu tive muito essa questão de me identificar também como uma pessoa de um lugar diferente. Meu personal statement foi sobre como eu acredito que a ciência pode motivar e encorajar estudantes em suas vidas acadêmicas e pessoais. Eu tive problemas pessoais e familiares durante todo o ensino médio e eles se agravaram bastante ano passado, mas a pesquisa foi sempre o meu motivo de keep going. Eu falei muito sobre as dificuldades de fazer pesquisa e o que eu aprendi com ela — muito mais do que colocar isso só como um achievement, eu expliquei como isso é uma construção de quem a Juliana é."
Durante o application, uma das coisas mais comuns de se fazer é duvidar de si mesmo e se comparar com outras pessoas. Acaba que a gente constrói na nossa cabeça essa imagem de pessoas perfeitas que passam em tudo, e isso só fortalece nossas inseguranças. Você é uma pessoa incrível em muitos sentidos e eu queria saber de ti como foi enfrentar esses desafios e essas inseguranças.
"Aqui em Osório, ir pra universidade federal já é uma coisa muito grande, então estar fazendo o application por si só já é uma coisa que me fazia sentir que eu estava tentando algo muito inalcançável e fora da minha realidade. Eu tive incontáveis momentos em que eu queria desistir. Eu tive muito problema com provas, então eu sempre pensava 'não tem como eu fazer o application com essas notas ridículas' e ficava em um processo de 'não vale a pena fazer isso, tu não vai passar com essa nota, olha teu coleguinha que tirou 1600 no SAT', então eu me sentia muito 'não vai dar dessa vez, desiste'. Eu escrevi meu personal statement várias vezes e também pensava que não tinha como eu escrever a coisa que mais iria me refletir naquele espacinho. Lidar com meus problemas pessoais também foi um grande desafio, porque o application é um processo grande mas ao mesmo tempo ele não é sua vida inteira durante um ano, tem várias outras coisas que também te englobam e pra mim isso foi muito difícil. Pensar que ‘tá, tudo bem, isso aqui é muito triste na minha vida, mas eu tenho que botar isso de lado pra fazer meu application’ pesava muito e era muito angustiante e triste. Eu lembro que eu estava no evento de Estocolmo e eu estava fazendo reunião de application para ver minhas essays, então a gente não para um segundo de pensar nisso. Mas eu acho que, embora a gente se compare muito com outras pessoas, a gente também tem que entender que o processo de application não é sobre se comparar com os outros pois não é isso que é avaliado, é um processo sobre contar a melhor versão de ti mesmo, contar quem tu és e essa é a parte que deveria ser o enfoque maior. Eu tentava pensar que ‘essa é a minha história, eu vou escrever sobre mim e sobre o que eu acredito, sobre o que eu acho que tem que fazer diferença no Brasil ou em qualquer lugar que seja’. No application, eu tive muito essa questão de refletir sobre a melhor versão de mim mesma e até mesmo descobrir quais eram meus pontos fortes e meus pontos fracos. Quando eu tava esperando as decisions, eu estava muito aliviada porque eu sabia que eu tinha entregado meu melhor e eu tinha feito tudo o que eu podia. É nisso que a gente deveria focar, e não em se diminuir. O que eu mais aprendi com o application foi a tentar tirar esse gostinho de tentar contar a minha história do melhor jeito possível e ficar satisfeita com ela. Depois, quando eu estava tomando todas as rejections, que foram 90%, por mais que eu ficasse triste eu também estava satisfeita com o que eu tinha entregado e sabia que se fosse pra ser, seria. Eu olho pro meu application e falo ‘essa é a Juliana’, eu lembro de ler meu personal statement e pensar ‘ai tão bonitinho, tão eu’. Ver dessa maneira tira um pouco essa pressão de ser aceito, porque tu enxergas que você fez aquilo até mais por si mesmo, para se descobrir e entender o que tu queres fazer da tua vida. Em 2018, antes do meu application, eu pensava muito em ser cientista, mas eu não pensava na comunicação como eu penso agora. 2019 me levou a construir uma ideia de carreira que eu talvez não tivesse se eu não tivesse feito o application. A minha advisor sempre falava pra mim ‘você só precisa de um sim’ e isso aplicou perfeitamente pra mim, e acho que isso é algo legal de lembrar durante o application porque te ajuda a não ficar tão nervoso. E isso me ajudou a entender também que uma acceptance não determina quem você é, quem vai ter sucesso na vida ou não e as pessoas continuam sendo maravilhosas independente do resultado. Eu fui negada em 90% do que eu apliquei e em Northwestern eles adoraram o que eu escrevi, adoraram minha proposta de fazer comunicação com engenharia e eu fui selecionada para um Honors Program de engenharia. Então, pra eles era o fit perfeito. O application tem muito essa questão de entender pra onde tu queres ir e onde se encaixaria, e hoje eu vejo que ir para Northwestern foi o melhor resultado possível pra mim. Apesar de eu ter me envolvido com muitas competições, eu prefiro muito mais ambientes colaborativos. Eu acho que é muito difícil não ter competição em uma universidade porque isso tem em qualquer ambiente acadêmico, mas eu não sei se ir para uma universidade muito competitiva seria a melhor opção pra mim, porque eu gosto muito de sentar, conversar com as pessoas e desenvolver coisas em conjunto."
Tudo isso que você contou me deixou muito curiosa para saber sobre o futuro. O que você pretende fazer com o seu diploma e quais são seus planos para o futuro?
"No application eu pude aprender muito sobre o que eu quero fazer depois. Na minha visão anterior, eu queria fazer engenharia química e ser cientista. No fundo, eu aprendi que não adianta nada a gente ter vários conhecimentos científicos — e foi isso que eu vi na prática, a gente tem muito conhecimento científico e várias pesquisas incríveis, porque a pesquisa aqui no brasil é de muita qualidade — se isso não chega para as pessoas. Falta essa conexão entre o que a gente está produzindo e o que chega para as pessoas, seja na forma de produto mesmo ou na forma de comunicação, em que as pessoas conseguem entender o que está sendo feito. Muitas vezes a gente vê cientistas na TV e pessoas falando com palavras estranhas e daí as pessoas simplesmente não se interessam por aquilo porque não conseguem entender. Eu acredito muito em comunicar a ciência de forma acessível e em transpassar esse conhecimento em forma de produtos, em forma de aplicações para a sociedade, porque não adianta nada a gente produzir muito conteúdo benéfico se isso não chega para as pessoas que precisa chegar. Então eu quero muito trabalhar com pesquisa e ser uma pesquisadora, planejo fazer um PhD depois, mas eu quero muito trabalhar com comunicação científica também. É por isso que eu fiquei tão empolgada com o Dual Degree program de Northwestern e é por isso que eu estou tão animada para estudar sobre comunicação: porque eu acho que tem muita coisa ainda que eu posso desenvolver para fazer com que a ciência seja difundida. É meio clichê, mas meu sonho maior de todos é que a oportunidade que eu tive de fazer pesquisa no ensino médio seja para todos, independente de estudar em instituto federal, em escola particular ou em escola estadual. É por isso que eu luto e é isso que eu quero conquistar no futuro, seja comunicando ciência para jovens, fazendo parcerias entre universidades e escolas, promovendo iniciativas desenvolvidas por jovens pesquisadores que não são comunicadas de forma adequada para a população ou fazendo políticas públicas. Quero que os estudantes tenham apoio e encorajamento para entrar na pesquisa, seja essa nas ciências naturais, nas ciências humanas ou nas humanidades e artes."
• Observação da Juliana
A Juliana queria deixar aqui um agradecimento especial a todas as pessoas que a ajudaram e apoiaram durante a sua trajetória, que acreditaram nela e tornaram todas as batalhas e todos os desafios mais fáceis de serem ultrapassadas. Ninguém escreve a própria história sozinha e celebrar nossas conquistas é também celebrar aqueles que nos deram suporte para alcançá-las.